REVENDO NOSSOS CONCEITOS SOBRE DISCIPULADO.
Pr. Paulo Solonca
Está na hora de a Igreja de Jesus abandonar a concepção de que discipulado é um ministério da igreja que se preocupa com novos convertidos.
Discipulado também não é apenas um encontro semanal para estudar a Bíblia, cantar e passar alguns momentos de comunhão e oração.
Discipulado vai além disso. Seria bom se pudéssemos perguntar: “O que será que Jesus tinha em mente? O discipulado que Ele praticou produziu personalidades expressivas. A maneira de Jesus discipular deu origem a homens e mulheres que impactaram a sociedade em que viviam”.
O discipulado praticado por Jesus forjou homens e mulheres que mudaram a história de suas próprias vidas assim como a história de sua região. Alguns chegaram a influenciar as personalidades das grandes potências da época.
O discipulado de Jesus produziu líderes, que por sua vez geraram outros líderes. Precisamos avaliar e reavaliar nossos conceitos sobre discipulado. Tenho notado, andando por diversas partes de nossa nação, que muitos líderes estão desanimados com os resultados que estão alcançando no discipulado que desenvolvem.
Isto pode estar acontecendo pelo fato de estes líderes estarem desenvolvendo um discipulado pouco parecido com o de Jesus. Gostaria de apontar inicialmente alguns enganos sobre discipulado.
Primeiro, achar que o discipulado foi uma estratégia usada por Jesus para alcançar apenas o homem daquela época e daquela cultura.
Para estes, o discipulado poderia funcionar em pequenas aldeias, onde Pedro conhecia João, Levi, Tiago. As pessoas não tinham tanta coisa para fazer.
Dedicavam-se às atividades agropastoris, chegavam cedo em casa, não tinham televisão, nem internet, não tinham cursos noturnos nem eram funcionários de empresas que exigem trabalho em horas extras.
Numa sociedade assim tão simples como a de algumas dessas aldeias, o discipulado poderia ser praticado. Poderia se falar em amar ao próximo, perdoar os inimigos, deixar-se bater na outra face, levar as cargas uns dos outros, ensinar uns aos outros e assim por diante.
Não é possível acreditar nesta mentira. O discipulado pode ser perfeitamente praticado pelo o homem moderno. Concordo que a sociedade dos aldeões galileus era extremamente diferente da sociedade moderna.
Entretanto, o homem de hoje continua sendo o mesmo dos tempos da igreja primitiva. Ambos tinham problemas com corrupção, racismo, opressão econômica, ganância, abuso de poder, legalismo religioso, pobreza, injustiça social, violência, fome, imoralidade.
Outro engano é reduzir o discipulado a mais uma onda da igreja de nossos dias. Creio que quase todos já pudemos viver ou mesmo observar a passagem de algumas "ondas" em nossas vidas.
Você se lembra de alguma? Eu me lembro de várias: por ex., a onda do cabelo comprido no tempo dos Beatles; da calça boca de sino, do boliche, patins, skate, do roller, do cooper, da aeróbica.
Ondas surgem com grande intensidade, causam agitação, despertam motivações, promovem movimento. No meio do povo onda é aquilo que é moderno, novo, de vanguarda.
Onda, na verdade, é um modismo; portanto, tem um caráter efêmero. Quando nos referimos a uma onda, logo percebemos que se trata de algo de duração relativa e que em algum momento passará.
Embora as ondas aconteçam no mundo, freqüentemente, elas surgem e se desenvolvem no seio da Igreja.
A igreja de Jesus Cristo já viveu grandes ondas. Nestes últimos anos a igreja tem sido assolada por sucessivas ondas (gostaria de explicar a intenção destas citações: não se trata de crítica ou reprovação às igrejas ou a comunidades que as praticam, mas estou ressaltando a ênfase dada durante algum tempo a estes assuntos): onda das revelações, dos dentes de ouro, cair na presença do Senhor, onda do sopro do Espírito, da unção do riso, da prosperidade, da saúde perfeita, do vômito santo, da batalha espiritual, das maldições hereditárias, da cura interior, onda das missões, do louvor, do evangelismo explosivo, da pregação expositiva, do crescimento da igreja, onda das comunidades.
Lamentavelmente muitos pastores e líderes acreditam que discipulado é uma onda. Como tal, é um modismo que não deveria merecer atenção. Um colega de ministério se reportou a mim dizendo:
"Esse negócio de Discipulado é mais uma onda, uma mania; é coisa de missionário americano". Será que o discipulado pode ser considerado uma onda, uma moda?
As ondas e os modismos dentro da igreja se caracterizam por hábitos passageiros, gostos, idéias e ênfases que ditam comportamentos em determinada época, mas que com o passar do tempo se diluem e deixam apenas lembranças e pouco resultado efetivo.
A onda dentro da igreja é quase sempre um capricho de certas pessoas mais influentes que tentam impor certos costumes, certos comportamentos, certas ênfases doutrinárias, mesmo certas técnicas.
Muitas vezes tem pouco a ver com a vontade de Deus.
Normalmente, o modismo eclesiástico tem vitimado aqueles que funcionam de modo compartimentado, ou seja, aqueles que se deixam levar apenas pelas emoções, ou apenas pela vontade, ou então só pela razão.
Uma maneira saudável e eficiente de se prevenir das armadilhas das ondas eclesiásticas é a proposta de administrar a igreja, de tal forma, que seus membros possam funcionar e produzir a partir de um equilíbrio estrutural interior, ou seja, de todo coração, de toda a alma, com todas as forças e com todo o entendimento.
A igreja de Jesus, vez ou outra é varrida por ventos doutrinários, modismos e ondas de ensinos que somente contribuem para retalhar a unidade do Corpo de Cristo - a Igreja - que é o seu povo.
Povo este que deveria ser conhecido por sua unidade interna e intensa comunhão entre as mais variadas partes, membros e juntas de seu corpo.
Um povo que deveria ser conhecido pela prática de um amor sobrenatural.
A onda ou modismo é um fenômeno social ou cultural, de caráter mais ou menos coercitivo, que consiste na mudança periódica de estilo, e cuja vitalidade provém da necessidade de conquistar ou manter uma determinada posição social.
Estamos em uma época onde as igrejas estão vivendo dois pólos antagônicos.
Por um lado, existem aquelas que se estratificaram em suas estruturas e metodologias, sem se darem conta de que ficaram esclerosadas. Caracterizam-se por sua inflexibilidade e por sua incapacidade de se adequar ao homem dos nossos dias.
Por esta razão, não conseguem alcançar os perdidos. Quando alcançam, conseguem apenas a sua adesão religiosa dentro do seu contexto social, cultural, e econômico.
Do outro lado, igrejas que exageram na sua identificação com os perdidos, imitando-lhes suas preferências, adotando seus costumes e valores e se comportando como um deles. Neste pólo também transitam as igrejas que enfatizam de maneira desmedida apenas um ou dois aspecto do ministério, como só louvor, ou só missões, ou só pregação expositiva, ou só assistência social, ou evangelismo, ou batalha espiritual, ou só manifestação de dons do Espírito.
Creio que as pessoas da sociedade que nos cercam já estão cansadas de ser manipuladas. Elas logo, logo estarão à busca de igrejas equilibradas. Igrejas que cuidem delas como ovelhas. Numa época em que, a cada dia, o ser humano perde o seu valor, uma época em que as pessoas se vêem substituídas por máquinas e equipamentos, época que tem se caracterizado pela conveniência, pelo interesse escuso, as pessoas estão à procura de alternativas onde possam ser valorizadas, ou pelo menos ser respeitadas e tratadas com dignidade. Será que a Igreja é uma opção que supre estas expectativas?
A igreja pode perfeitamente ser um grande oásis para esta sociedade massificada e escravizada. Isto pode acontecer quando ela, a igreja, adotar o discipulado como estilo de vida.
O discipulado não é uma onda. Nunca foi. Se foi interpretado assim, foi por causa da má compreensão daqueles que se propuseram a praticá-la.
Outro engano é confundir "fazer convertidos" com "fazer discípulos". Ao invés de entenderem a conversão como ponto de partida para a aventura de tornar-se semelhante a Cristo, consideram-na ponto de chegada, como se o mais ficasse para ser resolvido no céu. Fazer discípulos é uma tarefa artesanal. Toma tempo, dá trabalho e requer dedicação e engajamento.
Outro engano: transferir a tarefa para a Igreja institucional. Muitos líderes da Igreja acreditam que podem cumprir a Grande Comissão através de eventos e programas formais com séries de conferências e classes dominicais. Estes cristãos são especialistas em convidar um descrente para ir ao templo, mas entendem muito pouco sobre compartilhar a vida de Jesus.
Tratam o discipulado como programa e não como processo. Acreditam que o sujeito que faz o curso de "12 lições" e é assíduo às reuniões dominicais já está discipulado. Se não surgir uma geração de homens e mulheres que se dediquem ao discipulado, empenhando esforços por preservar a qualidade de vida do povo de Deus, dedicando não somente a transmissão de informações teológicas, mas sobretudo uma Palavra que vivem no dia a dia ...
se não surgir uma geração, de homens e mulheres que estejam dispostos a compartilhar de si mesmos, de sua vida, de sua intimidade e de seu caráter... então dentro de pouco tempo este inchaço se esvaziará e surgirá uma Igreja enrugada, flácida, esclerosada, sem nenhuma atração e com pouco poder e quase nada de autoridade.
Eu não me iludo com igrejas lotadas. Prefiro me preocupar em equipar os santos para que eles desempenhem o seu serviço. Prefiro saber se estamos ou não ajudando os membros da Igreja Evangélica a ser cada vez mais parecidos com Jesus. Prefiro saber onde estão aqueles que não desistiram de fazer discípulos.
Prefiro promover um ajuntamento de discipuladores e de discípulos do que um show ou uma manifestação megalomaníaca com muito barulho, mas quase sem nenhuma mensagem compreensível e de pouca ajuda para quem quer realmente encontrar a verdade e que está atrás de soluções práticas para os seus problemas do dia a dia, e que não se contenta com superficialidades religiosas.
A função pastoral deve ser reavaliada. Como já disse, certa vez, David Kornfield: "A função pastoral, tal como ela é definida, vivida e cobrada pelas igrejas, impede o pastor de discipular. Em muitas igrejas tem prevalecido a filosofia do ‘nós pagamos para o pastor fazer’. A não ser que a função pastoral seja reavaliada e que ocorram mudanças de prioridades, o discipulado nunca chegará a ser uma realidade em sua vida. E se não chegar a ser uma realidade em sua vida, dificilmente chegará a ser uma realidade nas vidas dos membros de sua igreja.
Enquanto o pastor estiver assumindo funções que devem ser realizadas pelos demais membros do corpo de Cristo, dificilmente ele poderá promover o discipulado".
Discipular exige dedicação, exige tempo e disponibilidade. Se a agenda do pastor estiver abarrotada, como ele poderá se dispor para o discipulado? Por incrível que pareça, em algumas igrejas ainda se acredita que só o pastor pode orar pelos enfermos, sabe expulsar demônios e sabe realizar cultos de aniversário, de formatura, sabe orientar pessoas para o batismo, sabe aconselhar etc.
Pastor que funciona assim, está impedindo o crescimento dos demais. Ele está usurpando a bênção de outros estarem servindo ao Senhor com seus dons e habilidades.
Quando um pastor ensina a sua Igreja a servir e equipa os santos para que eles desempenhem o seu serviço, então ele passa a ter mais tempo disponível para pastorear e discipular a sua liderança.
Por último, discipular é uma ordem. Não fazer discípulos é uma desobediência, portanto um pecado. Mas, acima disto, discipular é um privilégio.